terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O Ganges e a Sabedoria da Incerteza.

A magia do Ganges demorou-me algum tempo a compreender. O seu sentir foi mais fácil e quase imediato da primeira vez que o vi, quase há 10 anos atrás. É impossível não sentir a  sua força e poder na época da monção, e a sua serenidade e clareza na época seca . Durante o dia é fácil perceber a sua importância vital para todo o Norte da India, nas culturas que rega e no alimento que trás. Quando a noite cai o Ganges traz a sua magia e os Indianos mostram-lhe a sua devoção e gratidão, fazendo cerimónias de fogo (aarti) e largando flores, incensos e velas acesas na sua corrente. Voltei a assistir a uma destas cerimónias esta semana. Aquele momento do fim do dia, com a música devocional num crescendo, o cheiro a incenso e flores, e o rio iluminado de velas que descem a corrente levando desejos, preces, agradecimentos....momentos que nenhuma máquina consegue captar. Resta-me como costumo fazer, usar a mente para captar o momento e esperar que perdure em mim esta imagem , para lá regressar sempre que queira, onde quer que esteja. Momentos em que experimento Paz e Gratidão por me ter sido dada a oportunidade de estar ali.

O Ganges é para a tradição Hindu mais uma forma de Deus (Ganga Ma, ou Mother Ganga), e como tal, estar na sua presença é um privilégio, algo digno de ser agradecido. Por isso há várias peregrinações a lugares da India onde ele passa, como Varanasi ou Rishikesh onde estou. Os três mergulhos nos Ganges são um desejo de qualquer devoto que se queira sentir abençoado “no colo de Deus”.  Eu também me sinto abençoada na sua presença. Sinto a sua água gelada purificar o meu corpo e a minha mente, e sinto a forte energia espiritual que aqui corre há tantos e tantos anos, e para a qual tantos Mestres, Yogis e Gurus contribuíram.

Mas  tal como comecei estas linhas , demorei a compreender a sua magia. 
Talvez pela razão de que o Ganges é também uma metáfora da vida, que se vai abrindo a cada etapa assim como o rio se vai expandindo até ao mar. E tal como a magia da vida , é preciso vivê-la para se compreender. Não basta lê-la, estudá-la, falar sobre ela. Tem de ser vivida.
 Tem de ser experimentada a força da sua corrente e entender que há que segui-la. Há que se deixar ir, pois nada é mais ingrato e inútil que tentar nadar contra uma corrente forte. Lutar contra a corrente é uma luta perdida, uma perda de tempo, só serve para nos cansar, tirar energia  e, em último caso matar. A corrente da Vida é mais forte e ela sabe sempre para onde nos leva. Porque tantas vezes nos agarramos com unhas e dentes às margens do rio? Sem acreditar que o lugar para onde a corrente nos levaria é melhor do que aquele onde agora estamos?  Por que o desconhecido e a entrega ao rio da vida é sempre tão resistente?

E se há momentos em que somos apanhados na corrente e só nos resta largar a margem e deixar-nos ir, outros há, em que a corrente é fraca e a água parada.  E nesses momentos não precisas  fazer mais nada senão desfrutar do momento. Deixa que a corrente volte e indique a direcção. Até lá, aproveita o momento de água calma para mergulhar mais fundo, ou simplesmente observar  a paisagem à tua volta.

Mas quer o rio corra forte, quer as águas estejam paradas ele é o mesmo. Tu és o mesmo. Sempre. Nos momentos de calma da água tranquila, e nos momentos difíceis  da água agitada. Nos momentos de alegria , e nos momentos de tristeza. Tu és sempre o mesmo, só a corrente muda. Tu estás lá sempre, o mesmo centro,  do início ao fim da jornada.

Deixa então o rio correr, sem o querer controlar, sem certezas do destino, da viagem. Sem saber se vais directo ou se vão haver paragens. Sem saber quando vais rápido ou devagar. Se vais só ou se tens companhia. Simplesmente vai, acreditando e confiando, sabendo que tens um centro que não muda. Conhece-te da melhor forma, as tuas forças e fraquezas, os dons e as sombras. Só este conhecer te pode ajudar a juntares-te da melhor forma, à corrente do Rio, à corrente da Vida. E desfrutar da viagem.

Possamos aprender a navegar na sabedoria da Incerteza.





Jaya Ganga Ma

sábado, 10 de setembro de 2016

Underwater World

Aqui vos deixo mais um testemunho na 1ª pessoa, sobre a  importância de estarmos abertos a novas ideias, aventuras, experiências.

Nunca fui muito de água. Sou daquelas pessoas que pode passar um dia na praia sem ir ao banho. Acho quase sempre a água gelada e quando necessário lá dou o meu mergulho relâmpago e saio normalmente a praguejar.
Quando comecei a viajar para Países cuja temperatura média da água, é bastante acima da do nosso gélido Atlântico, conheci o prazer de longas e prolongadas banhocas no mar. O meu problema afinal era mesmo só a temperatura  fria , que efectivamente não casa bem com a minha tipologia Vata (vim mais tarde a descobrir com alguns estudos  e consultas de medicina ayurvédica na India ).

Numa viagem à Tailândia experimentei pela primeira vez snorkling, naquelas praias de postal. Nunca mais esqueci esse primeiro contacto com o mundo sub-aquático.
No entanto a verdadeira experiência marcante veio vários anos depois, na minha primeira viagem à Indonésia quando experimentei mergulhar.
Leia-se mergulhar quando se vai de botija de ar às costas para o fundo do mar, ao contrário de (para quem desconhece), snorkling onde se fica mais à superfície a respirar por um tudo.

Volto a repetir que , de todas as experiências e sensações que tive na vida  mergulhar foi uma das mais marcantes. Acho que foi uma paixão instantânea.

Mergulhar, ao contrário do que possa parecer não implica grande esforço físico. Apenas a primeira parte de toda uma imensa logística (entre roupas, coletes, botijas e afins) se torna mais aborrecida. Quando se entra  dentro  de água tudo fica leve e sentimo-nos literalmente a flutuar.

De tudo o que mais me encantou foi  a sensação que estava a entrar num novo mundo. Como se estivesse a aterrar noutro planeta, um planeta desconhecido. A diferença é que este novo mundo está dentro do meu mundo! São portas que se abrem como nunca antes senti (voltei apenas a sentir algo semelhante numa viagem ao Deserto). Portas que se abrem para um mundo desconhecido, novo e maravilhoso. Estão a ver quando a Alice chega pela primeira vez ao País das Maravilhas? É mais ou menos isso . Um jardim de baixo de água com plantas desconhecidas e cheias de cores. Plantas com movimentos ondulantes ,  um pulsar de vida verdadeiramente harmonioso. Peixes de todas as cores e formatos. Cardumes coloridos cruzam o meu campo de visão e rapidamente me fixo nos Peixes Palhaço (de  nome mais comum os Nemos), que se alimentam nos corais. Quanta vida à volta destas plantas, que se confundem  com pedras, que se confundem com peixes. Quanta cor, quanto movimento aqui em baixo! Alguns peixes maiores passam indiferentes. Outros parecem curiosos e até mais destemidos, olhando curiosos para estes desconhecidos enormes “peixes de botija  às costas!”. Invade-me uma alegria gigante, uma sensação que vamos perdendo à medida que crescemos e nos tornamos adultos, mas que em crianças experimentamos com frequência: a alegria e o espanto da descoberta, da novidade.

Mergulhar permite-nos de facto entrar em contacto com  outra realidade.  Dos momentos mais incríveis foi quando mergulhámos num local de Mantas (semelhantes a raias de enorme dimensão). É uma sensação indescritível estar a nadar ao lado destes enormes peixes, que passam por nós a nadar de uma forma delicada, suave parecendo que voam dentro de água.
Também foi incrível ver  tartarugas. Que animal pacífico! Sempre tranquilas , sempre zen. É delicioso ver os buraquinhos do seu nariz virem à superfície respirar e voltarem para baixo em longos e graciosos mergulhos.
É difícil não se ficar apaixonado por o mundo debaixo de água.

Além da enorme variedade de coisas maravilhosas que podemos encontrar no fundo do mar, o mergulho caracteriza-se também por ser um enorme desafio. Talvez um dos maiores que o ser humano pode experimentar. Isto porque estamos a respirar artificialmente num mundo que não foi feito para nós.
A primeira vez pode ser assustadora confesso. Quando se começa a ver o briefing complexo, a quantidade de aparelhos, avisos, cuidados e sinais que temos de aprender , a mente começa a entrar em pânico. Acho que neste momento toda a gente pensa qualquer coisa como “mas onde é que eu estava com a cabeça quando me meti nisto...”.
A primeira vez que se vai para o fundo do mar de botija de ar às costas, regulador na boca, máscara nos olhos e nariz, acho que todas as células do corpo começam a entrar em negação. Porque efectivamente se vai fazer algo que é contra a natureza  humana: respirar de baixo de água. E aqui a mente começa a mandar mensagens de todos os géneros , “ainda vais a tempo de fugir daqui”, “isto pode correr mal” “isto é mesmo perigoso”. E é. Por isso é que se torna tão interessante. Porque depois de se experimentar a primeira vez vive-se uma sensação de desafio superado. De que transcendemos os nossos limites e os limites daquilo que é possível um humano fazer.

Para mim (por razões óbvias da minha profissão) foi curioso analisar este estado mental agitado pelo medo. E trabalhar para o controlar. Alguns momentos e em  alguns exercícios de treino tem mesmo de se ter uma enorme firmeza e controlo mental.

Depois vem a parte da respiração, e que para mim é igualmente fantástica observar. Como realmente funciona saber usar uma respiração tranquila e serena e como isto pode contribuir para estabilizar as sensações de medo ou pânico. Como podemos usar a respiração para nos movimentarmos dentro de água mais para cima ou para baixo. Como podemos controlar o ar que usamos e tornarmos a respiração mais eficiente.
Uma experiência Yogui debaixo de água!

Mais um desafio que nunca imaginei puder ultrapassar!  Mais um desafio que me mostrou e confirmou como realmente podemos fazer tudo aquilo que queremos e como somos mais fortes e corajosos que imaginamos.

Por isto tudo que acabo de descrever mergulhar foi uma paixão que veio tarde na minha vida. Mas, quero crer,  nunca é tarde para descobrir uma nova paixão!





sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Não tens medo de viajar sozinha?
- Não. E adoro!

Resolvi escrever este texto porque várias vezes respondo a esta pergunta quando digo que vou viajar sem companhia. Compreendo que possa parecer estranho e assustador para alguns , mas acreditem, é mais fácil do que possam imaginar.

Em primeiro lugar acho que à partida tem de se ser um viajante. Ou seja para enfrentar uma aventura a solo é preciso ter um amor verdadeiro por viajar (e por viajar entenda-se algo mais que estar 8 dias num resort de praia em Punta Cana com pulseira de tudo incluído. Não desfazendo, pois isto também é bom, mas não é a este género de viagem que me refiro neste texto). 
Provavelmente pode ser também mais fácil se já tiverem viajado algumas vezes acompanhados , pois já têm alguma experiência que será útil neste tipo de aventura.

Por outro lado observo que Portugal tem uma cultura ainda pouco aberta a viagens a solo, sobretudo a mulheres viajarem sozinhas. Não há imensos relatos e não se conhecem frequentemente mulheres portuguesas com esta atitude , por isso compreendo que muitas vezes cause espanto. No entanto deixem que vos diga que isto é muito, mas muito mais comum em outros países do centro e norte da Europa. Nas minhas aventuras pelo mundo tenho-me cruzado com imensas mulheres de idades variadas que se aventuram sozinhas!

Em segundo lugar, outro esclarecimento:  viajar sozinho não implica que não se goste de viajar também acompanhado. Tenho excelentes recordações e imenso gosto nas viagens que fiz a dois ou em grupo. E pretendo continuar a fazê-lo. Mas viajar sozinha... bem isso é algo que quando se experimenta uma vez, normalmente se quer repetir. Ou seja um caminho de não retorno; uma experiência da qual não voltamos os mesmos.


Vejam então os meus argumentos,

As razões de ordem prática:

Durante a viagem tens a oportunidade de ter o tempo totalmente por tua conta. Fazes os teus horários e planeias o teu tempo como te apetecer. (Quantas vezes no nosso dia a dia temos possibilidade de fazer isto? Ter o tempo totalmente ao teu dispor e fazer realmente aquilo que se quer  à hora que se quer? Prazeres nossos de direito, que infelizmente a sociedade catalogou de egoísmo ou preguiça)

Outra razão a ter em conta e talvez uma das mais importantes : só estás sozinho se realmente quiseres. Ficarias espantado com a quantidade de pessoas de diferentes países e faixas etárias que viajam sozinhas pelo mundo. Muitas vezes começas a viajar sozinho e acabas com um enorme  número de amigos de vários países. Isto porque é comum e fácil os viajantes a solo identificarem-se e juntarem-se muitas vezes para refeições e actividades. 

Sozinho estás muito mais disponível e aberto a conhecer pessoas. Quando viajas em grupo estás mais fechado na companhia com quem viajas e dificilmente interages tanto com outros viajantes.
Por isso vos garanto de experiência própria que às vezes tens mesmo de te esforçar por estar sozinho. Se te apetecer companhia, acredita vai sempre aparecer! E trazes quase sempre vários contactos de pessoas por esse mundo que poderás ir visitar!



Outras razões e provavelmente as mais importantes:

A superação de desafios. Ultrapassas e resolves situações, vences medos, e voltas mais forte. Aquilo que te parecia uma dificuldade ou mesmo uma impossibilidade relativiza-se.
Conheces-te melhor. Não há melhor forma de auto conhecimento do que estarmos um tempo connosco próprios. Tens tempo para te ouvir, para te sentir, para reflectir. Testas os teus limites e percebes que os podes ultrapassar e ir mais além. Basicamente descobres que és mais forte do que pensavas e isso pode claramente melhorar  a tua vida em vários aspectos quando regressas.

Alguns conselhos e cuidados:

Ser aventureiro e corajoso não é sinónimos de ser descuidado ou irresponsável. Na minha opinião, quando se viaja sozinho devem haver alguns cuidados e atenções extra para que tudo corra bem.  Antes da viagem é bom saber um pouco mais sobre o destino e ter assegurado que temos estadia para os primeiros dias. Assim, com mais confiança podemos explorar melhor o lugar onde estamos e perceber como deveremos proceder no resto da viagem.

Infelizmente ainda vivemos num mundo onde as facilidades e liberdades entre os sexos não são as mesmas. E uma mulher que viaja sozinha (sobretudo para países não ocidentais) deverá ter cuidados extra. É importante perceber quais as questões éticas/religiosas que devemos ter em atenção quer no que respeita a roupa, quer ao comportamento. É importante também que sejam respeitados os costumes e religiões locais para não entrar em choque ou criar situações desconfortáveis. 
Por isso informem-se bem antes de ir. Para esta  última questão e inúmeras outras há hoje em dias na internet centenas de fóruns de viajantes que respondem a todas as questões que possam imaginar. Qualquer pergunta que coloquem no google, irão encontrar vários sites e blogs com as respostas que precisam. O Lonely Planet sempre foi para mim uma enorme ajuda (em livro ou on line), assim como as dicas do Trip Advisor. Mas nada como explorar  com tempo:  há blogs com dicas para viajantes na Ásia, sites dedicados a quem viaja apenas de comboio etc; pesquisem e surpreendam-se!

Se tens vontade de ter uma experiência a solo mas ainda estás com algum receio, sugiro que comeces por uma viagem menor, por exemplo um fim de semana prolongado nalguma capital europeia. Depois vai ganhando confiança para voos mais altos!

Espero que este texto possa ser útil a todos os que têm vontade de se aventurar sozinhos pelo mundo.
Boas viagens, boas aventuras!






segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Vida e outras Viagens (sobre o blog)


Acho que nasci a viajar. Na barriga da minha mãe viajei para o Brasil onde acabei por nascer e ainda criança voltei para Portugal onde moro desde então. Felizmente a temática viagem continuou até hoje sempre presente na minha vida. Na infância viajei bastante com os meus pais e com uma avó de quem devo ter herdado algum gene viajante. Quando me tornei independente viajar continuou a ser o meu maior prazer e muitas vezes objectivo para o qual trabalhava. O Universo, sempre a conspirar a meu favor, foi-me trazendo, oportunidades fantásticas e posso agradecer hoje em dia os vários países que visitei, companheiros de viagem, pessoas que conheci, aventuras e experiências inesquecíveis.

Em 2008 descobri o prazer de viajar sozinha e penso que não mais deixarei de o fazer. Viajar sem companhia levou-me a partilhar com os outros os momentos que vivia, e comecei a escrever crónicas que foram muito bem recebidas por quem as lia. Estes textos, ou divagações como costumo chamá-los não tinham outro objectivo além da partilha da felicidade dos momentos que estava a viver. Curiosamente, comecei a perceber que cada vez que viaja logo alguém pedia para eu não me esquecer de escrever e enviar as crónicas. Isto fez-me perceber que escrevendo, conseguia chegar às pessoas a quem me dirigia, e melhor, chegar-lhes ao coração.

Com a prática do Yoga, como praticante e professora, encontrei outro género de viagem que me apaixonou: a viagem interior. Comecei a escrever sobre as duas misturando as viagens de sentimentos e ideias, emoções ou experiências com os locais onde estava.

Ao longo destes anos fui juntando vários textos que publico agora neste espaço. Não tenho qualquer pretensão literária, nem sigo nenhuma linha editorial. Tanto escrevo emocionada num país exótico, como me inspiro para escrever sobre um grafiti numa parede em Lisboa. A vida e outras viagens pareceu-me o nome ideal pois é disso mesmo que se trata. A inspiração vem de uma viagem à India assim como de uma viagem de metro. E cada dia da nossa vida pode ser uma viagem se estivermos abertos a isso.



sexta-feira, 20 de abril de 2012

(India) Amritsar e o Templo Dourado


Amritsar, Punjab India
Agosto 2009

Amritsar é uma cidade digna de visita por duas razões. 
A primeira é uma cerimónia muito particular que acontece diariamente na fronteira entre a India e o Paquistão. Esta é a única fronteira aberta entre os dois países, que como se sabe tem relações problemáticas há vários anos. Diariamente ao fim do dia na hora estabelecida de fecho da fronteira, os dois países protagonizam sincronizadamente um teatro muito peculiar, em que militares de ambos os lados marcham de forma viril e aparentemente agressiva em direcção aos portões da fronteira oposta. É uma dança nacionalista de demonstração de poder e afirmação. O peculiar da performance, dado que as relações entre os 2 países não são propriamente amigáveis, é o facto desta se parecer com um banal jogo de futebol ao qual se vai assistir por puro entretenimento. De ambos os lados há bancadas, e cada lado da fonteira torce pela sua equipa! Na fronteira da India, onde fiquei,  grita-se "Longa vida para a India" , do lado do Paquistão ouve-se as bancadas gritarem algo provavelmente idêntico. O espectáculo processa-se em crescendo, a dança dos militares vai ficando mais intensa até a um ponto de quase êxtase para alguns populares mais motivados! Galvanizados gritam e cantam até perder a voz, comparável ao mais esperado derby futebolístico.

Embora simpaticamente um polícia me tivesse encaminhado para as bancadas reservadas aos turistas, optei por ficar no meio dos indianos para puder ter a experiência real. Foi marcante e intenso, aliás como é qualquer aglomerado de seres humanos juntos a torcer por uma mesma causa. Alguns momentos um pouco assustadores confesso, sobretudo quando alguns dos populares mais entusiasmados se exaltavam de modo quase enlouquecido. Mas no final, ou não fosse a India, acabámos todos a dançar e a cantar, sem qualquer sinal de agressividade ou loucura.

Qual dos dois países sai vencedor deste derby, sinceramente não sei, mas pergunto-me se isto seria possível em alguma outra parte do mundo…

A segunda razão para visitar Amritsar é o Golden Temple (Templo Dourado). Um templo fantástico justamente comparado ao Taj Mahal, e que torna a cidade o centro mundial da religião dos Sikhs. É um dos monumentos mais visitados na India e recebe diariamente milhares de peregrinos Sikhs que tentam pelo menos uma vez na visitar o seu templo mais sagrado, assim como turistas de várias nacionalidades sobretudo indianos de outras religiões.


Na cidade (feia e suja como todas as grandes cidades indianas) já não há vacas na rua, e todos os homens usam turbante para prender os longos cabelos , um dos símbolos da devoção e religião Sikh.

Esta religião surge na India numa resposta ao Hinduísmo (sobretudo ao injusto sistema de castas), e ao islamismo (uma das mais presentes religiões no país). No sikhismo não há adoração de deuses nem representações do mesmo, o culto é feito a um livro – O Livro Original - onde se encontram todos os ensinamentos dos 5 gurus fundadores da religião. O Livro é guardado no interior do Templo, que tem quatro entradas simbolizando a abertura do mesmo a todas as religiões e sobretudo às quatro castas da divisão social Hindu.
  
É simplesmente maravilhoso visitar este templo, todo ele dourado, construído no meio de um lago (também ele considerado sagrado), onde os peregrinos se banham tentando purificar corpo e espírito. O reflexo do seu dourado na água com a luz do fim do dia, ou com o luar da noite são imagens que jamais esquecerei. Ao longo de todo o dia, até ao fecho do Templo os versos do Livro sagrado são recitados em forma de canto, acompanhado por músicos ao vivo, e todo o som é transmitido por altifalantes por todo o complexo, criando assim um ambiente muito especial e agradável.

A monumental cantina comunitária do complexo do templo é de visita obrigatória. A cantina providencia comida gratuita para todos os visitantes de qualquer religião, cor, casta ou sexo. A partilha de refeições com estranhos reforça um dos principais pilares do sikhismo: a igualdade. Cerca de 10.000 refeições de lentilhas e chapati (pão indiano) são servidas diariamente graças a eficiência dos seus funcionários e voluntários.

O Templo Dourado mereceu a minha visita por um dia inteiro. Foi um local onde me senti bem e não dei pelo tempo passar. Passeei pelas margens do lago, sentei-me a ouvir a música recitando os textos sagrados e observei a fé dos peregrinos como quando se lê um livro que não se consegue parar. Fui jantar e voltei à noite, para ver o Templo brilhar com a lua e assistir à cerimónia do fecho e recolha do Livro. No dia seguinte partia para Norte. Mas se assim não fosse voltava ao templo outra vez.

Talvez seja simplesmente natural sentirmo-nos bem na casa de Deus. Qualquer que seja o nome o e a forma que lhe dermos. 

(India) O sorriso da India

Rishikesh, India
Agosto 2009

Sepúlveda escreveu que "A Pátria de uma pessoa é onde ela se sentir bem". Não podia concordar mais. Pátria não vem no passaporte, é uma coisa de coração. E as coisas de coração não se escolhem sentem-se. Sinto-me feliz e grata por ter a liberdade de escolher a minha Pátria. O Brasil é a minha Pátria, foi onde eu nasci. Lá vivi por um ano, talvez um dos meus felizes da minha vida. Lá poderia viver outra vez e penso que isso talvez aconteça. É a minha terra natal.
Portugal é a minha Pátria. É onde cresci e tenho vivido. É o lugar onde quero para já, continuar a viver, e ao qual me alegra sempre regressar quando viajo. É a minha casa.
Mas se a nossa Pátria é onde nos sentimos bem, acho que a Índia começa a ser também um bocadinho, a minha Pátria. Até porque nos últimos anos tenho passado sempre pelo menos um ou dois meses do meu por aqui.



Sou apaixonada pelo sorriso da India. O sorriso dos Indianos é único e muito peculiar. Todos sorriem das crianças e velhos, homens e mulheres, pobres e ricos.

Por aqui nunca se faz um sorriso que não seja retribuído. Se esboçarmos um subtil sorriso para quem quer que seja rapidamente teremos a retribuição num enorme e aberto sorriso indiano.


Sorrisos que vem de dentro, e que nos fazem pensar porque é que deixamos de sorrir. Ou simplesmente porque é que sorrimos tão pouco?

Porque não sorrimos mais uns para os outros? No trânsito, no trabalho, ou simplesmente na rua para alguém que não conhecemos de lado nenhum?

Na cidade para onde venho estudar há um mendigo que como tantos na Índia, tem uma deficiência nas pernas. Esta deficiência não lhe permite esticar as pernas; estas estão sempre cruzadas, impedindo que ele se levante e obrigando-o a viver ao nível do chão, arrastando-se e utilizando a força dos braços para se movimentar.

Este mendigo passa o dia encostado no mesmo sítio, algures na ponte de Ram Jhula. Tem sempre uma lata perto de si, esperando receber algumas caridosas rupias. Não precisa de pedir. A sua deficiência é suficientemente atroz e visível para quem passa. A sua deficiência hedionda é a sua ferramenta de sobrevivência neste mundo e
a cultura indiana suporta estas pessoas. Para grande parte dos Indianos é importante ajudar quem está abaixo, numa situação pior (e Deus sabe que na Índia há sempre uma situação ainda mais abaixo). Por outro lado, as rupias que se dão podem sempre valer uns pontinhos de karma….

Os turistas continuam o suporte. As rupias que se dão para se puder fechar os olhos e não pensar mais em algo tão cruel.



Este mendigo tem o sorriso mais lindo do mundo. É um Indiano de feições muito bonitas. Cabelo preto, pele escura que contrasta com o branco dos seus dentes.
Ele é novo, penso eu. Terá sequer a minha idade?
Ele sempre me sorri quando eu passo na ponte. Sorri-me espontaneamente. Nunca me pediu uma rupia que fosse, nunca me indicou a sua lata, a sua deficiência. Mantém a sua cabeça erguida e sorri-me. Quando eu retribuo, o seu sorriso abre-se ainda mais num sorriso feliz.
Como pode este homem tirar de dentro de sim um sorriso que expressa tanta felicidade?
Aceitação?
Alienação?
Um homem cuja situação desde sempre e para sempre será a mesma, uma deficiência hedionda que o limitará a qualquer possibilidade de uma vida feliz, um trabalho, uma família, um futuro
Como pode este homem ter este sorriso, dia após dia, todos dias.

Ou deverei perguntar antes porque o perdemos nós? Será que afinal não é ele que está certo? Porque à primeira adversidade da vida perdemos o sorriso, perdemos a alegria acusamos a vida , a justiça divina ou outro qualquer ser humano à nossa volta do nosso infortúnio e miséria.
Quão injusto isto é tantas vezes. Para nós próprios, para todo o planeta.

Parece-me que o dom da vida é suficientemente maravilhoso para que, nem que seja de vez em quando, sorrirmos a alguém. Sorrimos com o coração. Abrimos o coração através de um sorriso lindo, sincero.
Talvez o que recebermos de volta seja suficiente para mudar o nosso dia.



(India) Janela para o Ganges


Rishikesh, India
Agosto 2010

Hoje quero dormir com a janela do quarto aberta; a luz de dentro acesa.
Não vou ter medo dos mosquitos. Quanto mais medo temos mais eles aparecem. São assim os nossos medos, quanto mais os ignoramos mais eles perdem a força, e por vezes deixam mesmo de existir.

Por isso hoje não vou ter medo que os mosquitos entrem no meu quarto. Estou inspirada para escrever e preciso da luz acesa. Mas não posso deixar de ter a janela aberta porque tenho a minha frente a mais maravilhosa das paisagens.

O Ganges. Sagrado, poderoso, como qualquer manifestação do Divino.
Hoje está tranquilo o Ganges. A Monção dá-lhe força, enche-o de água e de determinação em chegar ao seu destino no outro extremo da Índia. Esta determinação é por vezes assustadora de tão ponderosa, e arrasta na sua corrente tudo o que se atravessa no seu caminho. Esta é a sua natureza, de Rio.

Mas hoje o Ganges está tranquilo e a noite está mais linda que nunca. A Monção deu tréguas, ainda que apenas por umas horas.

O rio esta tão perto da janela do meu quarto que adormeço e acordo com a sua melodia. É tão especial quando de madrugada o som do Ganges se mistura com o som dos sinos dos templos que chamam para a oração da manhã.

Na outra margem, vejo as luzes dos ashrams e dos templos, Rishikesh já dorme. Vejo os Himalaias, (onde moram os Deuses segundo a tradição Indiana) que sempre se misturam com as nuvens e nos fazem perder a noção da altitude. Também da janela do meu quarto vejo a  ponte de Ram Jhula que liga as duas margens. De  noite  há sempre uma bruma sobre o rio e por vezes a ponte parece misteriosamente suspensa no ar. De dia, a ponte cede passagem a centenas peregrinos que vêm a Rishikesh para se purificarem nas águas sagradas do Ganges. Na travessia da ponte tudo e todos se cruzam, sem uma ordem aparente, Ou melhor dizendo, numa aparentemente caótica desordem. Os Gurus e homens santos que renunciaram à sociedade e família;  os peregrinos que cantam místicos mantras sagrados; as motos que para contrastar buzinam desesperadamente; os Saris coloridos das mulheres que vão e voltam dos mercados, as vacas que por serem sagradas podem andar por onde lhes apetecer; os outros como eu que por aqui andam…. E por vezes somos tantos que a ponte pára e entope. Para um lado e para o outro. É assim por toda a Índia: Pessoas. Muitas e muitas pessoas juntas.

Mas voltando à janela do meu quarto, além de tudo isto, hoje vejo também a lua, que está cheia e simplesmente maravilhosa.

Momentos que nenhuma câmara consegue captar,  que uma caneta pode apenas tentar relembrar, mas só mesmo a memoria pode guardar. Momentos que me fazem agradecer, o privilégio de estar viva, de estar na Índia, de estar feliz.

Por isso, hoje perante tal dádiva para os olhos e para a mente vou dormir com a janela aberta. Vou adormecer a olhar para este presente da Índia para mim.

E porque a felicidade nunca é total se não for partilhada, aqui fica a minha partilha:
Vou abrir a janela do meu quarto, a janela do meu coração, da minha alma. Para que entre toda a felicidade e amor e para que pela mesma janela possa sair e possa eu partilhar o mesmo amor com todos você que de alguma forma se cruzam na minha vida
Para a vida fluir temos que deixar a janela aberta.

Partam os vidros, tirem as trancas, deitem fora os cadeados e, nem que seja por uma noite, abram a janela do vosso coração. Mostrem a verdadeira essência do vosso ser, o vosso eu ao mundo e o mundo vai-se abrir também, com tudo o que de maravilhoso tem para dar.
E para todos (e tantos!) pedidos de mais uma crónica de viagem, aqui ficou a minha partilha. Desiludidos os que esperavam outro tipo de descrição das minhas viagens na Índia? Guess what? A INDIA É ISTO MESMO. A maior de todas a viagens que alguma vez poderemos fazer: A INTERIOR!

(India) Masala Indiana


Mysore, India
Setembro 2008

“… a primeira condição do pensamento correcto é a sensação correcta – a primeira condição para entender um país estrangeiro é cheirá-lo”
T.S.Eliot “Rudyard Kipling”

Masala Chai é o nome do chá mais bebido na Índia. De norte a Sul do Subcontinente em qualquer casa, loja ou comboio a primeira pergunta que ouvimos é sempre: Chai? Oferecido como forma de hospitalidade ou vendido por poucas rupias, um Chai acabado de fazer é uma dádiva dos Deuses (certamente de um dos milhares de Deuses do panteão Hindu).
Masala significa mistura. No caso do chá, mistura de especiarias: gengibre, canela, e cardamomo, fervidos com chá preto, ao qual se adiciona no final um pouco de leite.
Masala significa mistura, também no caso da India. Mistura de cores, de cheiros, de pessoas , de sensações e emoções.


Uma visita a um mercado Indiano é uma viagem para os sentidos. A explosão de cores intensas das tinturas que tingem os coloridos Saris, fazem vibrar os olhos de qualquer europeu mais cinzento. A mistura de cheiros baralha o nosso olfacto. Cheiros maravilhosos e exóticos aguçam-nos o apetite. Misturam-se com cheiros menos bons. Cheiros de sujidade, de probreza, cheiro de animais, de poluição.

Os vendedores apregoam os seus produtos, treinando algumas palavras de inglês com os turistas que passeiam. Sorriem e ajeitam-se para a fotografia da praxe, enquanto aproveitam para tentar vender as suas iguarias.




As bancas exibem a fruta apelativa e coloridas numa combinação perfeita com a roupa das mulheres que vagueiam pelo mercado e os vegetais frescos estão cuidadosamente arrumados de forma metódica por categorias e cores. A organização das bancas contrasta com o caos lá fora. É isso a India. Os contrastes, a mistura, a masala. Como o Chai.







(USA) Um farto Natal na Califórnia


Califórnia, USA
Dezembro 2009

De que se trata afinal o Natal? O que é verdadeiramente importante nesta época? A companhia da família e amigos? As refeições fartas com mesas bem recheadas? Os presentes? E quais? Aqueles que esperamos receber ou os que vamos oferecer? E dentro dos presentes que vamos oferecer quais os que verdadeiramente queremos oferecer e quais os que TEMOS que oferecer? E porque é que temos de o fazer já agora?
Este ano passei uma época natalícia diferente. Viajei com a família mais próxima para os Estados Unidos o que tornou toda a quadra muito diferente para nós. O stress pré natalício que todos nós abominamos passou-me ao lado. A lista dos presentes, as idas constantes a lojas, os shoppings com multidões enervadas, os parques de estacionamento sem lugares, o trânsito caótico, aqueles malditas últimas prendas que nos esquecemos e que temos que desenrascar no dia 24, e por fim toda a nervura familiar para que tudo corra bem em todos os aspectos: a comida que não pode faltar e de preferência que sobre, para que se possa apreciar restos de peru e fritos infindáveis até pelo menos dia 31 de Dezembro; que o pai e o genro se controlem e não discutam política durante o jantar, evitando na noite da consoada uma desagradável discussão, que leve à lavagem de roupa suja há muito contida; que a prima não apareça com um presente 10 vezes mais caro que aquela “pequena lembrança” que temos para lhe dar; que o irmão mais velho não beba demais e antes da meia noite já dance o Jingle Bells em boxers; que não suba a tensão à avó, e que a mãe não se enerve demais e comece a chorar, por tentar controlar tudo isto e nada dar certo.

E depois é só sentarmo-nos e deixar que apareçam os fritos, os fritos, os fritos. E queixarmo-nos 4 horas mais tarde que abusámos enquanto lamentamos não ter comprado mais água das pedras. E esperar que apareçam os presentes, mais presentes, mais presentes.

Aqui seria o ponto em que introduziria facilmente o tópico desta crónica: no meio de tanta superficialidade, que espaço sobra para o tal Amor e Paz que é no fundo o que origina e caracteriza a época festiva?
Mas não. Não me vou debruçar sobre esse cliché para já.

Vou sim escrever sobre o excesso.
O excesso, que se liga com o Natal e com a viagem que fiz aos USA.
USA: Terra Prometida para uns, o Grande Satã para outros. Como as coisas podem ser diferentes dependendo do ponto de vista…

De tanta coisa que poderia falar da Costa Oeste que visitei, tanta coisa fantástica escreveria 100 páginas facilmente. Escolhi apenas o excesso por, aos meus olhos, se relacionar com a quadra que vivemos
O excesso tem muitas caras. Nos Estados Unidos o excesso mais visível aos meus olhos são os alimentares.
As doses servidas em qualquer restaurante são pelo menos o triplo das doses servidas em Portugal. Das nossas refeições sobrava sempre metade, muitas vezes mais ainda, facto que era visível com a maioria dos estrangeiros. Isto significa que grande parte da comida servida vai para o lixo como muitas vezes vimos. Multiplicando por milhares de refeições, hotéis e restaurantes este desperdício dá um número assustador.
Para os americanos as quantidades estão adequadas. Curiosa e estranhamente adequadas. Um copo de coca-cola num Mac Donald´s tem 3 vezes o tamanho de Portugal, o que me parece coca-cola suficiente para encher o estômago de qualquer mortal durante um dia inteiro. Mas não o deles!
Whatever, cada um come o que quer. E daí receba as suas consequências. No caso dos Americanos a consequência é bem visível pelo excesso de peso de tantas, mas tantas pessoas. Famílias obesas são frequentes, e o mais assustador são as crianças, pequenas e igualmente obesas.

Acho inevitável a comparação que os meus olhos fazem com um país que tenho visitado e que conheço bem: a Índia.
Aqui o excesso é oposto. A falta de alimento é desesperante. Não há excesso alimentar mas de fome. Não há desperdício de comida, mas pelo contrário, pessoas que passam dias inteiros comendo apenas uma mão cheia de arroz. Não há excesso de obesidade mas excesso de magreza, de sub nutrição.

E nós no meio… que posição confortável. Nós, os velhos e superiores europeus, podemos criticar a ignorância americana, e ter muita muita pena de miséria indiana…
Que podemos nós fazer para mudar uma disparidade destas? Para acabar com a fome em países pobres e aproveitar excessos de países ricos?
Provavelmente nada no imediato. Mas podemos sempre lembrar uma das mais famosas frases de Ghandi “Vamos ser a mudança que queremos ver no mundo”. E por mais pequena que ela seja podemos começar a pensar e a criar esta mudança.
Podemos começar por olhar por exemplo para os nossos próprios excessos. Que tal como balanço de ano novo?
O que compramos a mais, o que gastamos a mais, o que comemos a mais ou o que deixamos no prato.
Pensar nos excessos com que vivemos e tantas vezes sem darmos por isso.
Tanto em que podemos pensar. Quem sabe o excesso de falar demais que normalmente leva a saber ouvir pouco? O excesso de medo que nos impede de viver a vida? O excesso de ego que não nos permite olhar para quem somos de verdade?
Não sei.
No que me toca eu vou olhar para os meus excessos.
Fica o desafio para todos.

E como o excesso de neve nos EUA cancelou os meus voos e cheguei mesmo no dia de Natal , não tive tempo para nada, não tive jantares de Natal, nem fiz telefonemas nem desejei boas festas quase a ninguém.

Ainda vou a tempo para desejar a todos uma óptima entrada em 2010!
Que para todos seja um ano fantástico, e possam aproveitar com consciência tudo o que de maravilhoso a vida tem para dar.



(USA) Thanksgiving, descoberta da gratidão em Miami


Miami, USA
Dezembro 2010

Este ano, uma vez mais, a vida presenteou-me com uma viagem aos Estados Unidos onde passei o mês de Dezembro.
Entre tantas experiências vividas uma delas gostava de partilhar com vocês, aproveitando para escrever a minha de mensagem de ano novo. Prometo que não me alongo! E como não enviei postais, mensagens, tags ou sms de Natal tenho crédito para umas linhas a mais verdade?

A minha chegada a Miami coincidiu com o dia de Thanksgiving - Acção de Graças, uma das mais importantes celebrações na América do Norte que acontece no final de Novembro. A querida amiga que fui visitar tinha já planeado um almoço de Thanksgiving inesquecível com os seus amigos mais próximos (que são quando moramos fora o mais próximo da nossa família).
O almoço (que acaba por ser lanche e jantar) deu-se num apartamento de down town Miami com uma vista maravilhosa sobre a cidade. Miami é um dos locais mais interessantes que visitei nos EUA, pois reúne vários espaços distintos na mesma cidade. A baixa repleta de edifícios altíssimos e modernos ao estilo de NY, o bairro de little Havana onde impera a cultura e a música Cubana, a praia de Miami Beach onde se cruzam as mais loucas figuras de Ferrari ou de patins e, a poucos minutos de carro praias paradisíacas e tranquilas ao mais alto estilo caribenho.

A esta mesa de celebração de Thanksgiving sentaram-se duas portuguesas, dois americanos, duas Jordanas e um Equatoriano, representando tão diferentes países e culturas.
Uma refeição ao estilo americano: excessiva, farta, mas generosa. Aberta a tão diferentes culturas que ali se encontravam; sem uma religião predominante, sem uma conversa programada; com um enorme e tradicional peru, sem bacon ou derivados de porco em respeito às muçulmanas presentes, com opções vegetarianas para os mais amigos dos animais, e onde todos os temas de conversa foram válidos e bem vindos. Um momento feliz para qualquer Aquariano!

Não sendo particularmente admiradora da Cultura Norte Americana fiquei fã deste feriado e do seu significado: o Thanksgiving tem por objectivo agradecer o ano que passou.
Reunidas à mesa, as famílias, (ou as famílias de amigos no nosso caso) agradecem um por um, aquilo que tiveram de bom ao longo do ano que está a finalizar.
E assim foi. Seguindo a tradição, antes da refeição ter início cada um de nós deu graças por algo que considerava importante.

Quando chegou a minha vez abreviei, pensando imediatamente como gostaria mais tarde de aprofundar e partilhar o Thanksgiving com todos os meus amigos, como tento fazer agora.

Para mim, não poderia ter sido mais perfeito. Se tivesse de escolher uma palavra para definir o meu ano que passou essa palavra seria Gratidão. Descobri ao longo do ano a importância e a felicidade que a gratidão traz e percebi como ela nos sintoniza com as mais altas vibrações do Universo.

Gratidão por todas as experiências que a vida me tem trazido. As melhores e as menos boas que invariavelmente mais tarde, se têm traduzido em crescimento pessoal.
Gratidão por todas as viagens por este mundo lindo, a lugares tão diferentes e que me têm permitido continuar a abrir horizontes mentais e emocionais.
Gratidão por todas as viagens internas e por toda a evolução que o caminho do Yoga me tem dado.
Gratidão por ter uma profissão maravilhosa da qual sinto saudades quando estou fora e por cada um dos alunos a quem tenho o privilégio de dar aulas. São eles que me ensinam e me fazem crescer como professora e como ser humano. Para cada um de vocês o meu agradecimento do coração.
Gratidão ainda por todas as pessoas, amigos e família que por algum motivo deste maravilhoso e misterioso Universo se cruzaram na minha vida e tiveram nela o seu papel.

A minha proposta é que nestes últimos momentos do ano que fecha, dediquem  alguns minutos do vosso tempo a agradecer.
Os tempos são de crise e bem sabemos, não têm sido fáceis. No entanto, sugiro que por alguns momentos mudem o foco da vossa atenção. Nem que seja por breves instantes abandonem a reclamação, a crítica, a pena, o saudosismo e todos os problemas ou situações difíceis do ano que passou e se foquem naquilo de bom que tiveram, que sentiram, que viveram. E agradeçam. A Deus, ao Universo, à Vida, a alguém especial ou a vocês próprios. Agradeçam com o coração cheio e aberto.
Sintonizem-se na gratidão e a energia seguirá o pensamento.



Um abraço enorme segue do meu coração desejando a todos vocês uma entrada em grande no novo ano.

Nota: este texto foi escrito no final de 2010, mas a intenção é válida para todas os finais de ano J