segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Vida e outras Viagens (sobre o blog)


Acho que nasci a viajar. Na barriga da minha mãe viajei para o Brasil onde acabei por nascer e ainda criança voltei para Portugal onde moro desde então. Felizmente a temática viagem continuou até hoje sempre presente na minha vida. Na infância viajei bastante com os meus pais e com uma avó de quem devo ter herdado algum gene viajante. Quando me tornei independente viajar continuou a ser o meu maior prazer e muitas vezes objectivo para o qual trabalhava. O Universo, sempre a conspirar a meu favor, foi-me trazendo, oportunidades fantásticas e posso agradecer hoje em dia os vários países que visitei, companheiros de viagem, pessoas que conheci, aventuras e experiências inesquecíveis.

Em 2008 descobri o prazer de viajar sozinha e penso que não mais deixarei de o fazer. Viajar sem companhia levou-me a partilhar com os outros os momentos que vivia, e comecei a escrever crónicas que foram muito bem recebidas por quem as lia. Estes textos, ou divagações como costumo chamá-los não tinham outro objectivo além da partilha da felicidade dos momentos que estava a viver. Curiosamente, comecei a perceber que cada vez que viaja logo alguém pedia para eu não me esquecer de escrever e enviar as crónicas. Isto fez-me perceber que escrevendo, conseguia chegar às pessoas a quem me dirigia, e melhor, chegar-lhes ao coração.

Com a prática do Yoga, como praticante e professora, encontrei outro género de viagem que me apaixonou: a viagem interior. Comecei a escrever sobre as duas misturando as viagens de sentimentos e ideias, emoções ou experiências com os locais onde estava.

Ao longo destes anos fui juntando vários textos que publico agora neste espaço. Não tenho qualquer pretensão literária, nem sigo nenhuma linha editorial. Tanto escrevo emocionada num país exótico, como me inspiro para escrever sobre um grafiti numa parede em Lisboa. A vida e outras viagens pareceu-me o nome ideal pois é disso mesmo que se trata. A inspiração vem de uma viagem à India assim como de uma viagem de metro. E cada dia da nossa vida pode ser uma viagem se estivermos abertos a isso.



sexta-feira, 20 de abril de 2012

(India) Amritsar e o Templo Dourado


Amritsar, Punjab India
Agosto 2009

Amritsar é uma cidade digna de visita por duas razões. 
A primeira é uma cerimónia muito particular que acontece diariamente na fronteira entre a India e o Paquistão. Esta é a única fronteira aberta entre os dois países, que como se sabe tem relações problemáticas há vários anos. Diariamente ao fim do dia na hora estabelecida de fecho da fronteira, os dois países protagonizam sincronizadamente um teatro muito peculiar, em que militares de ambos os lados marcham de forma viril e aparentemente agressiva em direcção aos portões da fronteira oposta. É uma dança nacionalista de demonstração de poder e afirmação. O peculiar da performance, dado que as relações entre os 2 países não são propriamente amigáveis, é o facto desta se parecer com um banal jogo de futebol ao qual se vai assistir por puro entretenimento. De ambos os lados há bancadas, e cada lado da fonteira torce pela sua equipa! Na fronteira da India, onde fiquei,  grita-se "Longa vida para a India" , do lado do Paquistão ouve-se as bancadas gritarem algo provavelmente idêntico. O espectáculo processa-se em crescendo, a dança dos militares vai ficando mais intensa até a um ponto de quase êxtase para alguns populares mais motivados! Galvanizados gritam e cantam até perder a voz, comparável ao mais esperado derby futebolístico.

Embora simpaticamente um polícia me tivesse encaminhado para as bancadas reservadas aos turistas, optei por ficar no meio dos indianos para puder ter a experiência real. Foi marcante e intenso, aliás como é qualquer aglomerado de seres humanos juntos a torcer por uma mesma causa. Alguns momentos um pouco assustadores confesso, sobretudo quando alguns dos populares mais entusiasmados se exaltavam de modo quase enlouquecido. Mas no final, ou não fosse a India, acabámos todos a dançar e a cantar, sem qualquer sinal de agressividade ou loucura.

Qual dos dois países sai vencedor deste derby, sinceramente não sei, mas pergunto-me se isto seria possível em alguma outra parte do mundo…

A segunda razão para visitar Amritsar é o Golden Temple (Templo Dourado). Um templo fantástico justamente comparado ao Taj Mahal, e que torna a cidade o centro mundial da religião dos Sikhs. É um dos monumentos mais visitados na India e recebe diariamente milhares de peregrinos Sikhs que tentam pelo menos uma vez na visitar o seu templo mais sagrado, assim como turistas de várias nacionalidades sobretudo indianos de outras religiões.


Na cidade (feia e suja como todas as grandes cidades indianas) já não há vacas na rua, e todos os homens usam turbante para prender os longos cabelos , um dos símbolos da devoção e religião Sikh.

Esta religião surge na India numa resposta ao Hinduísmo (sobretudo ao injusto sistema de castas), e ao islamismo (uma das mais presentes religiões no país). No sikhismo não há adoração de deuses nem representações do mesmo, o culto é feito a um livro – O Livro Original - onde se encontram todos os ensinamentos dos 5 gurus fundadores da religião. O Livro é guardado no interior do Templo, que tem quatro entradas simbolizando a abertura do mesmo a todas as religiões e sobretudo às quatro castas da divisão social Hindu.
  
É simplesmente maravilhoso visitar este templo, todo ele dourado, construído no meio de um lago (também ele considerado sagrado), onde os peregrinos se banham tentando purificar corpo e espírito. O reflexo do seu dourado na água com a luz do fim do dia, ou com o luar da noite são imagens que jamais esquecerei. Ao longo de todo o dia, até ao fecho do Templo os versos do Livro sagrado são recitados em forma de canto, acompanhado por músicos ao vivo, e todo o som é transmitido por altifalantes por todo o complexo, criando assim um ambiente muito especial e agradável.

A monumental cantina comunitária do complexo do templo é de visita obrigatória. A cantina providencia comida gratuita para todos os visitantes de qualquer religião, cor, casta ou sexo. A partilha de refeições com estranhos reforça um dos principais pilares do sikhismo: a igualdade. Cerca de 10.000 refeições de lentilhas e chapati (pão indiano) são servidas diariamente graças a eficiência dos seus funcionários e voluntários.

O Templo Dourado mereceu a minha visita por um dia inteiro. Foi um local onde me senti bem e não dei pelo tempo passar. Passeei pelas margens do lago, sentei-me a ouvir a música recitando os textos sagrados e observei a fé dos peregrinos como quando se lê um livro que não se consegue parar. Fui jantar e voltei à noite, para ver o Templo brilhar com a lua e assistir à cerimónia do fecho e recolha do Livro. No dia seguinte partia para Norte. Mas se assim não fosse voltava ao templo outra vez.

Talvez seja simplesmente natural sentirmo-nos bem na casa de Deus. Qualquer que seja o nome o e a forma que lhe dermos. 

(India) O sorriso da India

Rishikesh, India
Agosto 2009

Sepúlveda escreveu que "A Pátria de uma pessoa é onde ela se sentir bem". Não podia concordar mais. Pátria não vem no passaporte, é uma coisa de coração. E as coisas de coração não se escolhem sentem-se. Sinto-me feliz e grata por ter a liberdade de escolher a minha Pátria. O Brasil é a minha Pátria, foi onde eu nasci. Lá vivi por um ano, talvez um dos meus felizes da minha vida. Lá poderia viver outra vez e penso que isso talvez aconteça. É a minha terra natal.
Portugal é a minha Pátria. É onde cresci e tenho vivido. É o lugar onde quero para já, continuar a viver, e ao qual me alegra sempre regressar quando viajo. É a minha casa.
Mas se a nossa Pátria é onde nos sentimos bem, acho que a Índia começa a ser também um bocadinho, a minha Pátria. Até porque nos últimos anos tenho passado sempre pelo menos um ou dois meses do meu por aqui.



Sou apaixonada pelo sorriso da India. O sorriso dos Indianos é único e muito peculiar. Todos sorriem das crianças e velhos, homens e mulheres, pobres e ricos.

Por aqui nunca se faz um sorriso que não seja retribuído. Se esboçarmos um subtil sorriso para quem quer que seja rapidamente teremos a retribuição num enorme e aberto sorriso indiano.


Sorrisos que vem de dentro, e que nos fazem pensar porque é que deixamos de sorrir. Ou simplesmente porque é que sorrimos tão pouco?

Porque não sorrimos mais uns para os outros? No trânsito, no trabalho, ou simplesmente na rua para alguém que não conhecemos de lado nenhum?

Na cidade para onde venho estudar há um mendigo que como tantos na Índia, tem uma deficiência nas pernas. Esta deficiência não lhe permite esticar as pernas; estas estão sempre cruzadas, impedindo que ele se levante e obrigando-o a viver ao nível do chão, arrastando-se e utilizando a força dos braços para se movimentar.

Este mendigo passa o dia encostado no mesmo sítio, algures na ponte de Ram Jhula. Tem sempre uma lata perto de si, esperando receber algumas caridosas rupias. Não precisa de pedir. A sua deficiência é suficientemente atroz e visível para quem passa. A sua deficiência hedionda é a sua ferramenta de sobrevivência neste mundo e
a cultura indiana suporta estas pessoas. Para grande parte dos Indianos é importante ajudar quem está abaixo, numa situação pior (e Deus sabe que na Índia há sempre uma situação ainda mais abaixo). Por outro lado, as rupias que se dão podem sempre valer uns pontinhos de karma….

Os turistas continuam o suporte. As rupias que se dão para se puder fechar os olhos e não pensar mais em algo tão cruel.



Este mendigo tem o sorriso mais lindo do mundo. É um Indiano de feições muito bonitas. Cabelo preto, pele escura que contrasta com o branco dos seus dentes.
Ele é novo, penso eu. Terá sequer a minha idade?
Ele sempre me sorri quando eu passo na ponte. Sorri-me espontaneamente. Nunca me pediu uma rupia que fosse, nunca me indicou a sua lata, a sua deficiência. Mantém a sua cabeça erguida e sorri-me. Quando eu retribuo, o seu sorriso abre-se ainda mais num sorriso feliz.
Como pode este homem tirar de dentro de sim um sorriso que expressa tanta felicidade?
Aceitação?
Alienação?
Um homem cuja situação desde sempre e para sempre será a mesma, uma deficiência hedionda que o limitará a qualquer possibilidade de uma vida feliz, um trabalho, uma família, um futuro
Como pode este homem ter este sorriso, dia após dia, todos dias.

Ou deverei perguntar antes porque o perdemos nós? Será que afinal não é ele que está certo? Porque à primeira adversidade da vida perdemos o sorriso, perdemos a alegria acusamos a vida , a justiça divina ou outro qualquer ser humano à nossa volta do nosso infortúnio e miséria.
Quão injusto isto é tantas vezes. Para nós próprios, para todo o planeta.

Parece-me que o dom da vida é suficientemente maravilhoso para que, nem que seja de vez em quando, sorrirmos a alguém. Sorrimos com o coração. Abrimos o coração através de um sorriso lindo, sincero.
Talvez o que recebermos de volta seja suficiente para mudar o nosso dia.



(India) Janela para o Ganges


Rishikesh, India
Agosto 2010

Hoje quero dormir com a janela do quarto aberta; a luz de dentro acesa.
Não vou ter medo dos mosquitos. Quanto mais medo temos mais eles aparecem. São assim os nossos medos, quanto mais os ignoramos mais eles perdem a força, e por vezes deixam mesmo de existir.

Por isso hoje não vou ter medo que os mosquitos entrem no meu quarto. Estou inspirada para escrever e preciso da luz acesa. Mas não posso deixar de ter a janela aberta porque tenho a minha frente a mais maravilhosa das paisagens.

O Ganges. Sagrado, poderoso, como qualquer manifestação do Divino.
Hoje está tranquilo o Ganges. A Monção dá-lhe força, enche-o de água e de determinação em chegar ao seu destino no outro extremo da Índia. Esta determinação é por vezes assustadora de tão ponderosa, e arrasta na sua corrente tudo o que se atravessa no seu caminho. Esta é a sua natureza, de Rio.

Mas hoje o Ganges está tranquilo e a noite está mais linda que nunca. A Monção deu tréguas, ainda que apenas por umas horas.

O rio esta tão perto da janela do meu quarto que adormeço e acordo com a sua melodia. É tão especial quando de madrugada o som do Ganges se mistura com o som dos sinos dos templos que chamam para a oração da manhã.

Na outra margem, vejo as luzes dos ashrams e dos templos, Rishikesh já dorme. Vejo os Himalaias, (onde moram os Deuses segundo a tradição Indiana) que sempre se misturam com as nuvens e nos fazem perder a noção da altitude. Também da janela do meu quarto vejo a  ponte de Ram Jhula que liga as duas margens. De  noite  há sempre uma bruma sobre o rio e por vezes a ponte parece misteriosamente suspensa no ar. De dia, a ponte cede passagem a centenas peregrinos que vêm a Rishikesh para se purificarem nas águas sagradas do Ganges. Na travessia da ponte tudo e todos se cruzam, sem uma ordem aparente, Ou melhor dizendo, numa aparentemente caótica desordem. Os Gurus e homens santos que renunciaram à sociedade e família;  os peregrinos que cantam místicos mantras sagrados; as motos que para contrastar buzinam desesperadamente; os Saris coloridos das mulheres que vão e voltam dos mercados, as vacas que por serem sagradas podem andar por onde lhes apetecer; os outros como eu que por aqui andam…. E por vezes somos tantos que a ponte pára e entope. Para um lado e para o outro. É assim por toda a Índia: Pessoas. Muitas e muitas pessoas juntas.

Mas voltando à janela do meu quarto, além de tudo isto, hoje vejo também a lua, que está cheia e simplesmente maravilhosa.

Momentos que nenhuma câmara consegue captar,  que uma caneta pode apenas tentar relembrar, mas só mesmo a memoria pode guardar. Momentos que me fazem agradecer, o privilégio de estar viva, de estar na Índia, de estar feliz.

Por isso, hoje perante tal dádiva para os olhos e para a mente vou dormir com a janela aberta. Vou adormecer a olhar para este presente da Índia para mim.

E porque a felicidade nunca é total se não for partilhada, aqui fica a minha partilha:
Vou abrir a janela do meu quarto, a janela do meu coração, da minha alma. Para que entre toda a felicidade e amor e para que pela mesma janela possa sair e possa eu partilhar o mesmo amor com todos você que de alguma forma se cruzam na minha vida
Para a vida fluir temos que deixar a janela aberta.

Partam os vidros, tirem as trancas, deitem fora os cadeados e, nem que seja por uma noite, abram a janela do vosso coração. Mostrem a verdadeira essência do vosso ser, o vosso eu ao mundo e o mundo vai-se abrir também, com tudo o que de maravilhoso tem para dar.
E para todos (e tantos!) pedidos de mais uma crónica de viagem, aqui ficou a minha partilha. Desiludidos os que esperavam outro tipo de descrição das minhas viagens na Índia? Guess what? A INDIA É ISTO MESMO. A maior de todas a viagens que alguma vez poderemos fazer: A INTERIOR!

(India) Masala Indiana


Mysore, India
Setembro 2008

“… a primeira condição do pensamento correcto é a sensação correcta – a primeira condição para entender um país estrangeiro é cheirá-lo”
T.S.Eliot “Rudyard Kipling”

Masala Chai é o nome do chá mais bebido na Índia. De norte a Sul do Subcontinente em qualquer casa, loja ou comboio a primeira pergunta que ouvimos é sempre: Chai? Oferecido como forma de hospitalidade ou vendido por poucas rupias, um Chai acabado de fazer é uma dádiva dos Deuses (certamente de um dos milhares de Deuses do panteão Hindu).
Masala significa mistura. No caso do chá, mistura de especiarias: gengibre, canela, e cardamomo, fervidos com chá preto, ao qual se adiciona no final um pouco de leite.
Masala significa mistura, também no caso da India. Mistura de cores, de cheiros, de pessoas , de sensações e emoções.


Uma visita a um mercado Indiano é uma viagem para os sentidos. A explosão de cores intensas das tinturas que tingem os coloridos Saris, fazem vibrar os olhos de qualquer europeu mais cinzento. A mistura de cheiros baralha o nosso olfacto. Cheiros maravilhosos e exóticos aguçam-nos o apetite. Misturam-se com cheiros menos bons. Cheiros de sujidade, de probreza, cheiro de animais, de poluição.

Os vendedores apregoam os seus produtos, treinando algumas palavras de inglês com os turistas que passeiam. Sorriem e ajeitam-se para a fotografia da praxe, enquanto aproveitam para tentar vender as suas iguarias.




As bancas exibem a fruta apelativa e coloridas numa combinação perfeita com a roupa das mulheres que vagueiam pelo mercado e os vegetais frescos estão cuidadosamente arrumados de forma metódica por categorias e cores. A organização das bancas contrasta com o caos lá fora. É isso a India. Os contrastes, a mistura, a masala. Como o Chai.







(USA) Um farto Natal na Califórnia


Califórnia, USA
Dezembro 2009

De que se trata afinal o Natal? O que é verdadeiramente importante nesta época? A companhia da família e amigos? As refeições fartas com mesas bem recheadas? Os presentes? E quais? Aqueles que esperamos receber ou os que vamos oferecer? E dentro dos presentes que vamos oferecer quais os que verdadeiramente queremos oferecer e quais os que TEMOS que oferecer? E porque é que temos de o fazer já agora?
Este ano passei uma época natalícia diferente. Viajei com a família mais próxima para os Estados Unidos o que tornou toda a quadra muito diferente para nós. O stress pré natalício que todos nós abominamos passou-me ao lado. A lista dos presentes, as idas constantes a lojas, os shoppings com multidões enervadas, os parques de estacionamento sem lugares, o trânsito caótico, aqueles malditas últimas prendas que nos esquecemos e que temos que desenrascar no dia 24, e por fim toda a nervura familiar para que tudo corra bem em todos os aspectos: a comida que não pode faltar e de preferência que sobre, para que se possa apreciar restos de peru e fritos infindáveis até pelo menos dia 31 de Dezembro; que o pai e o genro se controlem e não discutam política durante o jantar, evitando na noite da consoada uma desagradável discussão, que leve à lavagem de roupa suja há muito contida; que a prima não apareça com um presente 10 vezes mais caro que aquela “pequena lembrança” que temos para lhe dar; que o irmão mais velho não beba demais e antes da meia noite já dance o Jingle Bells em boxers; que não suba a tensão à avó, e que a mãe não se enerve demais e comece a chorar, por tentar controlar tudo isto e nada dar certo.

E depois é só sentarmo-nos e deixar que apareçam os fritos, os fritos, os fritos. E queixarmo-nos 4 horas mais tarde que abusámos enquanto lamentamos não ter comprado mais água das pedras. E esperar que apareçam os presentes, mais presentes, mais presentes.

Aqui seria o ponto em que introduziria facilmente o tópico desta crónica: no meio de tanta superficialidade, que espaço sobra para o tal Amor e Paz que é no fundo o que origina e caracteriza a época festiva?
Mas não. Não me vou debruçar sobre esse cliché para já.

Vou sim escrever sobre o excesso.
O excesso, que se liga com o Natal e com a viagem que fiz aos USA.
USA: Terra Prometida para uns, o Grande Satã para outros. Como as coisas podem ser diferentes dependendo do ponto de vista…

De tanta coisa que poderia falar da Costa Oeste que visitei, tanta coisa fantástica escreveria 100 páginas facilmente. Escolhi apenas o excesso por, aos meus olhos, se relacionar com a quadra que vivemos
O excesso tem muitas caras. Nos Estados Unidos o excesso mais visível aos meus olhos são os alimentares.
As doses servidas em qualquer restaurante são pelo menos o triplo das doses servidas em Portugal. Das nossas refeições sobrava sempre metade, muitas vezes mais ainda, facto que era visível com a maioria dos estrangeiros. Isto significa que grande parte da comida servida vai para o lixo como muitas vezes vimos. Multiplicando por milhares de refeições, hotéis e restaurantes este desperdício dá um número assustador.
Para os americanos as quantidades estão adequadas. Curiosa e estranhamente adequadas. Um copo de coca-cola num Mac Donald´s tem 3 vezes o tamanho de Portugal, o que me parece coca-cola suficiente para encher o estômago de qualquer mortal durante um dia inteiro. Mas não o deles!
Whatever, cada um come o que quer. E daí receba as suas consequências. No caso dos Americanos a consequência é bem visível pelo excesso de peso de tantas, mas tantas pessoas. Famílias obesas são frequentes, e o mais assustador são as crianças, pequenas e igualmente obesas.

Acho inevitável a comparação que os meus olhos fazem com um país que tenho visitado e que conheço bem: a Índia.
Aqui o excesso é oposto. A falta de alimento é desesperante. Não há excesso alimentar mas de fome. Não há desperdício de comida, mas pelo contrário, pessoas que passam dias inteiros comendo apenas uma mão cheia de arroz. Não há excesso de obesidade mas excesso de magreza, de sub nutrição.

E nós no meio… que posição confortável. Nós, os velhos e superiores europeus, podemos criticar a ignorância americana, e ter muita muita pena de miséria indiana…
Que podemos nós fazer para mudar uma disparidade destas? Para acabar com a fome em países pobres e aproveitar excessos de países ricos?
Provavelmente nada no imediato. Mas podemos sempre lembrar uma das mais famosas frases de Ghandi “Vamos ser a mudança que queremos ver no mundo”. E por mais pequena que ela seja podemos começar a pensar e a criar esta mudança.
Podemos começar por olhar por exemplo para os nossos próprios excessos. Que tal como balanço de ano novo?
O que compramos a mais, o que gastamos a mais, o que comemos a mais ou o que deixamos no prato.
Pensar nos excessos com que vivemos e tantas vezes sem darmos por isso.
Tanto em que podemos pensar. Quem sabe o excesso de falar demais que normalmente leva a saber ouvir pouco? O excesso de medo que nos impede de viver a vida? O excesso de ego que não nos permite olhar para quem somos de verdade?
Não sei.
No que me toca eu vou olhar para os meus excessos.
Fica o desafio para todos.

E como o excesso de neve nos EUA cancelou os meus voos e cheguei mesmo no dia de Natal , não tive tempo para nada, não tive jantares de Natal, nem fiz telefonemas nem desejei boas festas quase a ninguém.

Ainda vou a tempo para desejar a todos uma óptima entrada em 2010!
Que para todos seja um ano fantástico, e possam aproveitar com consciência tudo o que de maravilhoso a vida tem para dar.



(USA) Thanksgiving, descoberta da gratidão em Miami


Miami, USA
Dezembro 2010

Este ano, uma vez mais, a vida presenteou-me com uma viagem aos Estados Unidos onde passei o mês de Dezembro.
Entre tantas experiências vividas uma delas gostava de partilhar com vocês, aproveitando para escrever a minha de mensagem de ano novo. Prometo que não me alongo! E como não enviei postais, mensagens, tags ou sms de Natal tenho crédito para umas linhas a mais verdade?

A minha chegada a Miami coincidiu com o dia de Thanksgiving - Acção de Graças, uma das mais importantes celebrações na América do Norte que acontece no final de Novembro. A querida amiga que fui visitar tinha já planeado um almoço de Thanksgiving inesquecível com os seus amigos mais próximos (que são quando moramos fora o mais próximo da nossa família).
O almoço (que acaba por ser lanche e jantar) deu-se num apartamento de down town Miami com uma vista maravilhosa sobre a cidade. Miami é um dos locais mais interessantes que visitei nos EUA, pois reúne vários espaços distintos na mesma cidade. A baixa repleta de edifícios altíssimos e modernos ao estilo de NY, o bairro de little Havana onde impera a cultura e a música Cubana, a praia de Miami Beach onde se cruzam as mais loucas figuras de Ferrari ou de patins e, a poucos minutos de carro praias paradisíacas e tranquilas ao mais alto estilo caribenho.

A esta mesa de celebração de Thanksgiving sentaram-se duas portuguesas, dois americanos, duas Jordanas e um Equatoriano, representando tão diferentes países e culturas.
Uma refeição ao estilo americano: excessiva, farta, mas generosa. Aberta a tão diferentes culturas que ali se encontravam; sem uma religião predominante, sem uma conversa programada; com um enorme e tradicional peru, sem bacon ou derivados de porco em respeito às muçulmanas presentes, com opções vegetarianas para os mais amigos dos animais, e onde todos os temas de conversa foram válidos e bem vindos. Um momento feliz para qualquer Aquariano!

Não sendo particularmente admiradora da Cultura Norte Americana fiquei fã deste feriado e do seu significado: o Thanksgiving tem por objectivo agradecer o ano que passou.
Reunidas à mesa, as famílias, (ou as famílias de amigos no nosso caso) agradecem um por um, aquilo que tiveram de bom ao longo do ano que está a finalizar.
E assim foi. Seguindo a tradição, antes da refeição ter início cada um de nós deu graças por algo que considerava importante.

Quando chegou a minha vez abreviei, pensando imediatamente como gostaria mais tarde de aprofundar e partilhar o Thanksgiving com todos os meus amigos, como tento fazer agora.

Para mim, não poderia ter sido mais perfeito. Se tivesse de escolher uma palavra para definir o meu ano que passou essa palavra seria Gratidão. Descobri ao longo do ano a importância e a felicidade que a gratidão traz e percebi como ela nos sintoniza com as mais altas vibrações do Universo.

Gratidão por todas as experiências que a vida me tem trazido. As melhores e as menos boas que invariavelmente mais tarde, se têm traduzido em crescimento pessoal.
Gratidão por todas as viagens por este mundo lindo, a lugares tão diferentes e que me têm permitido continuar a abrir horizontes mentais e emocionais.
Gratidão por todas as viagens internas e por toda a evolução que o caminho do Yoga me tem dado.
Gratidão por ter uma profissão maravilhosa da qual sinto saudades quando estou fora e por cada um dos alunos a quem tenho o privilégio de dar aulas. São eles que me ensinam e me fazem crescer como professora e como ser humano. Para cada um de vocês o meu agradecimento do coração.
Gratidão ainda por todas as pessoas, amigos e família que por algum motivo deste maravilhoso e misterioso Universo se cruzaram na minha vida e tiveram nela o seu papel.

A minha proposta é que nestes últimos momentos do ano que fecha, dediquem  alguns minutos do vosso tempo a agradecer.
Os tempos são de crise e bem sabemos, não têm sido fáceis. No entanto, sugiro que por alguns momentos mudem o foco da vossa atenção. Nem que seja por breves instantes abandonem a reclamação, a crítica, a pena, o saudosismo e todos os problemas ou situações difíceis do ano que passou e se foquem naquilo de bom que tiveram, que sentiram, que viveram. E agradeçam. A Deus, ao Universo, à Vida, a alguém especial ou a vocês próprios. Agradeçam com o coração cheio e aberto.
Sintonizem-se na gratidão e a energia seguirá o pensamento.



Um abraço enorme segue do meu coração desejando a todos vocês uma entrada em grande no novo ano.

Nota: este texto foi escrito no final de 2010, mas a intenção é válida para todas os finais de ano J




quinta-feira, 19 de abril de 2012

(Lisboa) BEFORE I DIE I WANT TO…


Hoje vi esta imagem numa das paredes da LX Factory em Lisboa.  Inspirou-me e fiquei com vontade de partilhar com vocês, em jeito de desafio.
Caso o aceitem, a proposta é tão simples como preencher o espaço em branco:
Antes de morrer eu gostava de_____________________________
Parece fácil não?
Talvez tenhamos todos há anos, ou desde sempre, a resposta na ponta da língua para algo que quiséssemos fazer antes de morrer. No entanto, parem para pensar uns minutos se essa resposta é ainda a verdadeira. Se isso que tanto queremos, nos fosse possível agora de uma forma real e honesta, será que não hesitaríamos? Será que o querer tanto algo, por vezes com tanta certeza , não vem em grande parte do facto de não o termos, ou de sabermos que não o viremos a ter?
Se assim for a conclusão é simples! Está na altura, de reciclar, e actualizar os nossos desejos, dirigindo a nossa energia e força para algo novo e não para um desejo, vontade ou obsessão, cuja origem é já longínqua e distante daquilo que somos hoje.

Numa segunda opção a certeza mantém-se. O nosso desejo é certo e sabido: 
“Eu não queria mesmo bater a bota sem ___________”
Então o desafio é outro: Porque é que ainda não o fizemos?
Retiremos primeiro as camadas e camadas de desculpas que usamos. Retiremos depois os medos. Os preconceitos. Os outros - que são geralmente a nossa maior desculpa para não fazer as coisas. Retirando tudo isto de modo a ficarmos só nós, connosco próprios, perguntem-se então porque é que ainda não foram na direcção do vosso sonho, do vosso desejo, da vossa vontade?
A negação vem de imediato (“Não porque”….” Eu sei, mas…” “ Isso é ela que é professora de Yoga e vive noutro planeta!”…..);
 E porque a mente é teimosa e está habituada a reinar em nós, pondo e dispondo, eu vou mais devagar e coloco um desafio menor: Porque é que ainda não começaram, pelo menos a organizar o plano para que um dia, esse sonho desejo ou vontade possa ser realizado?
Se as implicações reais no meu hoje, para realizar o meu sonho amanhã, são demasiado pesadas ou incómodas,  talvez o meu sonho não seja assim tão importante…. ou será que pelo contrário, estarei a retirar peso ao verdadeiramente importante na minha vida, em nome de algo que assumiu um papel de importância excessiva?
Quantas dúvidas e questões levanta uma simples pintura de parede!
Como sempre, o objectivo é pensar, questionar, pôr em causa, abrir portas, possibilidades e iluminar as nossas vidas.
AH é claro que que o desafio é vosso e pessoal. Eu só lancei para o ar .… e claro também já estou a tratar do meu !